terça-feira, 20 de abril de 2010

A senhorinha

Era uma senhora bem ativa, daquelas que andam com os pezinhos apressados pela casa, da sala para a cozinha, da cozinha para o quarto, do quarto para a sacada. Cuidava da sua casinha com dedicação. Isso sabia desde menina. Tinha a sabedoria de que uma casa bem cuidada quase que ganhava vida própria no ritmo de sua protetora. Um pouquinho aqui, um pouquinho ali. Era como cuidar de planta. Tem que regar na medida certa, mas o que mais importa é a atenção dedicada.
Sua essência estava em todos os cantos, assim como as plantas. A florzinha no beiral da porta, a avenca no canto da janela, a samambaia na entrada da sala, tudo parece dizer "sou parte de". Era parte dela.
Em outros tempos, a casa já tinha sido mais cheia. A senhora lembrava com uma saudade agudinha no peito de quando havia aquela bateção de pé nos cômodos. Gritaria nos corredores. Os pequenos não deixavam nada no lugar, mas o movimento também fazia parte. Era ele que fazia a cozinha mais acolhedora. O cheirinho do alimentar os outros tem um tom diferente. A cebola é mais adocicada e o óleo faz um barulhinho bom de ouvir. Cheiro de aconchego.
Hoje ela passa mais rápido pela cozinha, tem mais o que fazer. Fazer o quê? Ouve o barulho do relógio, uma geringonça antiga que espalha seu tic tac no ambiente vazio.
Na sala, um dia, ela não queria ligar a televisão. Não lhe servia, e da notícia, já sabia. E foi numa coincidência de uma tarde de verão que nos conhecemos e ela me ofereceu um pedaço macio de seu cantinho. A senhora dos pezinhos apressados sentou para passar o tempo ao meu lado. Eu queria fazer parte e a porta estava aberta. E pude sentir o cheiro bom de cebola fritando. Uhmmm... Uma dessas delicadezas do destino.

Um comentário:

  1. Estar aberto às delicadezas...Como é difícil driblar (em ritimo de copa)esse cotidiano de grsserias...Deixar sentar então!...Tenho cá prá mim que estou precisando urgentemente de um cntinho, e quiça com uma pitada de todo esse tempero!

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