terça-feira, 1 de junho de 2010

A pequena forasteira

Ela vivia num mundo de gigantes. Se o primeiro ato de um ser humano ao nascer é chorar, puxando para dentro de si o ar da vida, o dela fora esquivar-se, repelindo possíveis agressões. Era sua ação mais antiga, até instintiva, apesar de não acreditar num mundo todo mal. Protegia-se por precaução daqueles seres compridos dos quais quase que só via as pernas. Cuidava-se inocentemente ao sentir a hostilidade do universo, que nem entendia. Não nascera para entender. Fora jogada no mundo. E sem exemplos que lhe guiassem, pois se perdeu da família ainda pequena, quando nem se aguentava em pé sem vacilar. Agora nem vacilar podia. Sua vida era errante dentro de um espaço que não percebia tão limitado. Dormia onde dava, comia o que lhe davam. Não conhecia o amanhã. Seus segundos eram o nunca e o para sempre. Entristecia-se com aquela dureza toda, e fugia da chuva para não ficar gelada. Forasteira. Aí percebia que os lugares quentes lhe eram proibidos, mas logo esquecia. Sonhava com espaços mornos, vermelhos como carne suculenta de açougue. Amava os gigantes, eles tinham a chave de tudo. Com seu coração de cachorro, o amor que sentia era degustativo. Ela se esbaldaria, se pudesse. Guardava a esperança, na ponta do rabinho que as vezes agitava, de que um dia alguma mão gigante pousaria levemente sobre sua cabeça. Ela daria ao carinho até sua barriguinha pulguenta, como sinal de confiança. No seu instante sem tempo, ela seria feliz. E a felicidade sem tempo é a maior do mundo.

10 comentários:

  1. "E a felicidade sem tempo é a maior do mundo" ... Gostei...Gostei muito...

    Já me pareces menos radical e mais sensível ;-)

    Lerei mais textos futuramente... Ótima idéia twittar os links...

    PAA.

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  2. Que lindo! adorei a conduçao de todo o tema. orgulhinho de amiga! hahahaha

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  3. Quase chorei.... Reconheci as muitas sarninhas que tratei pelos caminhos.... MH

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  4. Ahh não chora, não, mãe rs. Me dá um abraço!!!! =)

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  5. Nossa conduzir um texto sem falar quem realmente é o personagem é bem difícil de se fazer; no começo parece uma criança perdida mas pelo sutil toque da barriguinha com pulgas deu pra sacar que é uma cachorrinha. Isso me lembrou um personagem loiro do "noite no museu" em que ele chama os humanos de "pernudos". O problema é que mesmo coração de cachorro eu pensei ser uma metáfora para pessoas abandonadas...

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  6. Mas pode ser, fon. O sentimento de abandono é humano.

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  7. Sá eu acho essa a mais linda. a mais poética. TE AMO MUITO. MH

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  8. Adorei o conto, muito gostoso de ler :-)
    Beijos

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  9. Sa, é muito bom saber que há vida melhor, mais interessante e lírica do que um simples e dispensável lide. Fiquei muito feliz de ver essa outra Samantha. Ela é bem mais legal. Beijos

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  10. Fazer o que? É minha filha né...rsrsrs! muito lindo!

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