sexta-feira, 7 de maio de 2010

Redenção

Andava meio esquecida da vida, com o corpo vazio, frio, retirado de si. Seu peito frágil pouco aguentava ser de quem era, pois a função de manter o respirar mundano só resultava em suspirar sofregamente. Porque essas partes do corpo só são lembradas quando a dor vem. Senão, era como devia ser e está bom. A dor aprisionada era constante, às vezes imperceptível. Leve, assim até se podia ignorar, porém estava lá, implacável. Viver se tornara mais pesado e mais sensível com certeza, pois até a pele retraía em alerta ao mero toque de um sopro. As células pediam por essa reação dura e covarde, mesmo que fosse fuga, só importava se proteger do peso amargo e seco sem suor da dor contida. Manter-se. Mantinha-se. Levava. Mas o limiar entre a sua estabilidade e o desespero era tênue, e foi numa noite de lua escura escondida que de galope veio sem dó a constatação de que já não era mais a única na vida dele. Devia suspeitar que não fosse, mas para quê vir essa certeza eloquente e clara, que agora até cegava, pois a noite não era mais sombria, era clara como a luz forte do sol do meio-dia. A dor não vinha do peito e sim do estômago, forte e impiedosa, carregava consigo toda a angústia represada, por não caber mesmo, meu deus, como pudera guardar? De pé não podia seguir, sentou-se trêmula pedindo a mão de deus, que nem sabia quem fosse, mas era o único que permitiria vê-la tão vulnerável. Doía dentro do ventre, que estava cheio de choro para derramar, as lágrimas salgadas viriam das entranhas mesmo, como se fosse nascer um filho, aquele que ela renegara, porque se achava forte, porque não acreditava em morrer de amor. O peito estremecia com a perda do trabalho da angústia, agora que nem podia funcionar, sufocava, enjoava, e vinha um impulso forte de expulsar todo esse sentimento desumano pela garganta. Mas nem isso ela podia, não queria, decidira sofrer até o fim, até se acabar e acabar. Buscaria nas suas mais confusas sensações aquela que a libertaria desse mal. E lutara como se fosse pela vida mesmo. Destroçada pelo combate interior, ela só pedia que se fizesse a chuva, e que as flores nascessem amarelas para verdear a sala de estar, no dia seguinte da sua redenção.

Um comentário:

  1. É...a gente também se faz naquilo que se propõe ao outro. Fragilidades...

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